quinta-feira, 26 de março de 2009

o quarto

Minhas idéias pairam no ar de um quarto escuro, digladiando entre si, ao meu redor. Cardume de peixes nadando no ar; movimentos sinuosos e repentinos. Desordenação coordenada. Imagens e sons e sentimentos e instintos todos em sinfonia para este ser que observa.

E a luz, meu caro? Me questiono incessantemente. De onde vem essa luz? Que iluminam os pensamentos; que ora aceitam e ora negam as próprias verdades, embora também façam cristalinas essas mesmas (in)questionáveis verdades; intransponíveis obstáculos que aceito tão pacifica e mansamente.

Não é deste ínterim a ignorância; entre estes tantos fragmentos que assolam o e bombardeiam este ser; me faço valer também de escolhas. E se em favor delas aqui cheguei, é que assim o quis.

E não há dentre tantos mistérios neste quarto, sequer um que ainda não tenha desvendado - mesmo que não o saiba. Porque sou o próprio caminho, a verdade e a vida.

quinta-feira, 19 de março de 2009

pensamento

"É mais fácil lidar com uma má consciência
do que com uma má reputação"








Nietzsche

terça-feira, 17 de março de 2009

o tédio

"...Pensar sem que se pense, com o cansaço de pensar; sentir sem que se sinta, com a angústia de sentir; não querer sem que se não queira, com a náusea de não querer - tudo isto está no tédio sem ser o tédio, nem é dele mais que uma paráfrase ou uma translação. E, na sensação directa, como se de sobre o fosso do castelo da alma se erguesse a ponte levadiça, nem restasse, entre o castelo e as terras, mais que o poder olhá-las sem as poder percorrer. Há um isolamento de nós em nós mesmos, mas um isolamento onde o que separa está estagnado como nós, água suja cercando o nosso desentendimento.

…Sofrer sem sofrimento, querer sem vontade, pensar sem raciocínio… É como a possessão por um demónio negativo, um embruxamento por coisa nenhuma. Dizem que os bruxos, ou os pequenos magos, conseguem, fazendo de nós imagens, e a elas infligindo maus tratos, que esses maus tratos, por uma transferência astral, se reflictam em nós. O tédio surge-me, na sensação transposta desta imagem, como o reflexo maligno de bruxedos de um demónio das fadas, exercidas, não sobre uma imagem minha, senão sobre a sua sombra. E na sombra íntima de mim, no exterior do interior da minha alma, que se colam papéis ou se espetam alfinetes. Sou como o homem que vendeu a sombra, ou, antes, como a sombra do homem que a vendeu.

...Trabalho bastante. Cumpro o que os moralistas da acção chamariam o meu dever social. Cumpro esse dever, ou essa sorte, sem grande esforço nem notável desinteligência. Mas, umas vezes em pleno trabalho, outras vezes no pleno descanso que, segundo os mesmos moralistas, mereço e me deve ser grato, transborda-se-me a alma de um fel de inércia, e estou cansado, não da obra ou do repouso, mas de mim.

[...]

…Quem tem Deuses nunca tem tédio. O tédio é a falta de uma mitologia. A quem não tem crenças, até a dúvida é impossível, até o cepticismo não tem força para desconfiar. Sim, o tédio é isso: a perda, pela alma, da sua capacidade de se iludir, a falta, no pensamento, da escada inexistente por onde ele sobe sólido à verdade. "






fernando pessoa

quinta-feira, 12 de março de 2009

bicho estranho

"eu nunca vi na natureza
uma flor tentando ser um leão
eu nunca vi na natureza
uma cobra tentando ser um gavião

que bicho estranho que o homem é
passa a vida inteira sem saber quem ele é
que bicho estranho que o homem é
passa a vida inteira sem saber o que ele quer"







alexandre vitali

sexta-feira, 6 de março de 2009

Transeunte ativo direto

A vadia corria solta como uma murimba em pé de dia doido! Em nome do pai, do filho... e de todo mundo! Entrou na roda, é pra se lascar! Certo dia a tarde, cá estava uma menina sentada na calçada, era de dar dó; enquanto eu passava, ela me olhava, cheia de lágrimas escorrendo, empoçando no chão... e tudo que ela queria era só me fazer um boquete! Hên-hên... bichinha!
Antes de chegar em casa, pus a mão no bolso – queria as chaves do meu coração. Pelo menos por duas horinhas que fosse. Ia te amolar tanto, fazer tanto denguinho pra te ter sorrindo ao meu ladinho. Dia “D”! é hoje, amanhã ou depois! Nunca mais fui o mesmo! Arrasa quarteirão que vem guerra no esquadrão.

Estabiliza.

Hoje-amanhã-e-depois – aí saudade da chuva no telhado... aquele silêncio calmante; a arte do essencial! Saudade de caminhar na chuva, de brincar de se deixar molhar; abrir os braços e sentir os pinguinhos no rosto. O inverno se aproxima e já posso sentir o ar úmido e o cheiro de terra e mato. Mas ainda é verão nesta merda! Já posso até salivar só em pensar. O mundo em mim. Aqui onde tudo é mundo. Mundo, mudo, mudo, mundo inteiro pra mim. Ali mesmo, mergulhado, imerso e de olhos fechados – a chuva caindo – aquilo é o mundo de efeito universal. Sou escoado no ralo do mundo porque não vejo, não sinto, não sou e ao mesmo tempo sou tudo isso com um pouquinho de limão e tequila.

O universo em volta e meia. “Atenção para o top de 5 segundos...”. Acabou. Parou por acabar. O padre não tem filha, não sabem como é! Bem que podia ser aquele filho da puta a engravidar – “Atentado violento ao pudor: padre emprenha pelo cú (óbivil!) após ser violentado pelo Papa”... e o canalha vai se rasgar só para não ser excomungado. Puta que pariu! No ministério, ele assumiu. O bom filho a casa retorna, mas veja lá! Não vai confiscar minhas economias de novo, meu! Já não basta morar num campo de guerra? 233 é o saldo até hoje e tem gente que pensa que está abafando... filho, acorda! Aqui é o samba do crioulo doido!

Ah! Oi! Por aqui está tudo bem! As moscas estão voltando para a sopa... e não adianta matar uma, Raul já prevenia! Maravilha nas fotos e o fedor nos ares. A revolta da taboca! “Pega-bebo abre 5 vagas para vigilante de bebado-que-dorme-sentado-em-bar: paga-se bem”. Aniversário de 15 anos da Hebe Camargo... “gracinha!”. Garotinhos juvenis nas ruas e nos blogs são os donos das verdades falsificadas. Bem, pelo menos abraçaram as suas causas... lamentável firmamento!

Minha língua beijando portuguesa. Desejo de ser teu objeto direto! Te acalentar indiretamente sobre minha cama, nós, pobres sujeitos, adjetivados, obrigados a tudo isso! Fazendo concordar tudo num breve espaço de tempo, ainda que passageiramente. Nomino um verbo. Transeunte ativo direto. Trago-te minhas mágoas, passivas e imperfeitas, sobrestadas a minha existência sem nada poderem fazer para se livrarem deste carma que será me ter perto de si.

Tudo. Quero. Manhã. Café. Suas curvas em mim. Adeus anfetaminas.

Minhas orações diante desse espelho cego, sem lado de lá, mendiga minha presença esparramada nesse bolor de paixões e arranhões e cabelos repuxados, sem dia por vir, sem amanhã esperar ou qualquer coisa louca que venha me abalar.

Não sei não. As vezes, eu podia sumir sem deixar de existir. E também...Tenho fome e quero tesão no jantar e quero uma sopa de sentimentos pairando no ar. Estou de férias e só quero saber de pensar, depois de amanhã.